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quarta-feira, agosto 29, 2018

Salta Pocinhas 50 anos depois

Outro dia logo pela manhã, bem cedo, ao fazer a caminhada diária com o meu cãopanheiro, houve um momento em que tudo pareceu parar, não ouvia nenhum som, o vento deixou de soprar os meus passos ficaram suspensos toda a minha atenção alerta. Olhei em volta para tentar perceber o que estava a acontecer, o meu cão também imóvel de peito esticado, cheirava o ar. O meu coração batia mais rápido,  algo se passava e eu não percebia o quê, apurei o olhar na tentativa de ver alguma coisa diferente, a certa altura pareceu-me ver uma sombra por de trás de um enorme pinheiro manso que ali existe, de vagar aproximei-me, espreitei cuidadosamente e fui andando à volta da árvore, nada, não vi nada, no entanto os meus sentidos continuaram alerta.



Voltei a olhar para o yoda que se tinha aproximado de mim e seguia um rasto, fui atrás dele até chegar-mos a uma linda clareira onde o sol nascente brilhava por entre as folhas dos pinheiros em tons cor de rosa, parei fechei os olhos e suspirei, senti o cheiro das árvores misturado com o cheiro da terra, o vento trazia do lado do mar uma brisa com cheiro a maresia que se misturava com os outros cheiros, mais calma voltei a abrir os olhos e sentei-me no chão, completamente absorta em tudo o que me rodeava, nada mais parecia existir, foi nesse momento que olhei melhor e vi uns pequenos olhinhos que me fixavam, pareceu-me reconhecer aquele olhar, era como se estivesse a ver-me a mim mesma de fora, algo estranho mas ao mesmo tempo muito familiar.
Sem vontade de falar, para não quebrar aquele momento mágico de plenitude, mas com curiosidade pensei quem será?? Ouvi então uma voz na minha mente:
"Então não me reconheces? Não te lembras das nossas brincadeiras quando eras criança? Nessa altura conseguias ver-me... depois cresceste, a tua cabeça estava sempre cheia de medo, de preocupações e de ansiedade, não paravas e deixas-te de me ver, mas eu estive sempre aqui, contigo".
Nestas palavras reconheci a mais linda voz que alguma vez ouvi, suave como o cair da chuva num campo verde, alegre como o canto dos pássaros e que parecia ter pós de perlimpimpim quando ria - "SALTA POCINHAS?- pensei mentalmente como se gritasse de alegria, tudo em mim sorria.
Os meus olhos marearam de lágrimas e o mundo pareceu-me mais bonito que nunca -  "Voltei a conseguir ver-te" - disse apenas em pensamento mas a sorrir
- "Sim, finalmente, já estava farto de falar e não obter resposta, todas as vezes que precisas-te de um conselho, de uma resposta, ou de uma orientação tinha de me esforçar muito para que me ouvisses, só nos sonhos conseguia mandar-te algum sinal, mas depois não te lembravas de nada". - disse ele meio aborrecido.
Ficamos simplesmente a lembrar brincadeiras, desaires, risos e tristezas, tudo o que compõe uma vida. O tempo parou nesse momento até que senti uma lambidela do meu cãopanheiro na minha face. Olhei para ele fiz-lhe uma festa, levantei-me devagar sorri e continuei a caminhada, corri, pulei, brinquei com o meu cãopanheiro, senti-me feliz.


Volto muitas vezes àquela clareira, paro nem que seja só por uns momentos, suspiro e volto a ver-me a mim mesma com os olhos do Salta Pocinhas.

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